domingo, 24 de agosto de 2014

Cirith Ungol - King of the Dead (84)



Por Anderson Frota | 24/08/2014

É claro que todo mundo gosta de ouvir um trabalho bem produzido. Um disco que tenha um som límpido, claro e cristalino. O chato é que, às vezes, a produção é tão apurada que acaba tirando um pouco da graça da coisa. A maioria das bandas, com pouco dinheiro disponível no começo da carreira, optavam por gravarem seus discos no estúdio mais barato que conseguissem, no horário menos concorrido, e concluiam tudo em 2 ou 3 dias. De Black Sabbath a Venom, passando por Twisted Sister, quase todos vivenciaram isso e, por consequência, deixaram para a posteridade os melhores discos já feitos! Obras impecáveis, de pura crueza e urgência, que contagiam pelo clima e peso próximos aos de uma apresentação ao vivo, porque era praticamente dessa forma que eram feitos. Para usar uma palavra mais em voga, pode-se dizer que esses álbuns tinham um som mais “orgânico”. Em quantos discos atuais você consegue ouvir, por exemplo, algo tão natural e humano quanto o simples som de deslize rápido dos dedos, em atrito com as cordas da guitarra quando muda de um acorde para outro???

Tim Baker
Quando o Cirith Ungol gravou King of the Dead já não era mais estreante. Estava em seu segundo disco, mas reconheça-se que, apesar de hoje ostentarem o status de banda cult, o grupo nunca decolou de fato. Angariou fãs, é claro, e fez boa música, mas não chegou a conseguir firmar uma carreira autosustentável. Infelizmente, qualidade musical e sucesso comercial são conceitos que nem sempre caminham juntos... Mas, então, em King of the Dead, disco de 1984, e gravado por uma banda pequena, a produção é bem tosca. Essa tosquice, porém, joga a favor do resultado final obtido. A produção ríspida deixou o som mais pesado, mais sombrio, e esse clima faz com que as músicas do grupo, que navegam na linha “guerreiro bárbaro empunhando uma espada”, ganhem mais dramaticidade, mais força de interpretação, pois soam tão rústicas tal qual eram rústicos os tempos nelas narrados.



Ao começar a ouvir o disco é impossível não sentir alguma estranheza com o vocal de Tim Baker. O sujeito tem uma voz áspera, aguda e anasalada que soa diferente de qualquer outro vocalista que você já tenha ouvido. Demora um pouco para se acostumar, mas, depois de um certo tempo, percebe-se que o disco não teria o mesmo impacto se fosse de outra forma. O grupo só consegue funcionar com essa característica. A comparação mais próxima que poderia ser feita seria aquela que traçasse um paralelo com a mesma estranheza de ouvir o álbum de estréia do Rush, pela primeira vez, e se deparar com o timbre de Geddy Lee cantando da forma que ele cantava naquela época. 
Cirith Ungol em 84.
Mas não é somente ao Rush que o som do Cirith Ungol nos remete. Os riffs executados trazem muitos elementos que nos fazem lembrar algo como um Black Sabbath americanizado e, quando eu digo americanizado, quero dizer que o resultado é a mistura do som do Sabbath com o som das bandas americanas do fim dos 60 e começo dos 70, tal qual Cactus, Iron Butterfly e Mountain. Um som lisérgico, de uma época em que não haviam limitações bem definidas entre o que era hard rock e o que era rock progressivo. Um som que cativa não só pela vibração dos riffs pesados e gordurosos, mas também pelo prazer de ouvir solos de guitarra executados da forma correta, com começo, meio e fim, complementando o clima da música, e não uma massa amorfa de notas aremessada de qualquer forma em cima de uma base. Death of the Sun, King of the Dead e Atom Smasher são, portanto, músicas que não seriam estranhas caso tivessem sido lançadas 15 anos antes de seu tempo.

Na fusão da temática épica com a pegada doom, mil anos antes que isso virasse moda, foi que o Cirith Ungol diferenciou-se de seus colegas de estilo: se o Manowar transmitia imagens sonoras de guerreiros cavalgando ruma à batalha gloriosa, o Cirith surgia como o guerreiro retornado para o lar, coberto de sangue e de sujeira, mas com a guerra vencida e com os espólios conquistados!


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